sábado, 8 de junho de 2013

As folhas amareladas e aquele cheiro indescritível

O dia amanheceu chuvoso, com aquela chuva fina que precede um bocejo seguido de um leve sorriso. Estar só tem suas (poucas) vantagens, tem a coisa da contemplação, do olhar pra dentro e se perceber cheio, ao mesmo tempo que se olha ao redor e ve-se o vazio. Sentei à mesa depois de um café pequeno e lancei o olhar sobre sua superfície repleta de livros e escritos, numa espécie intuitiva de que aquele caminho seria longo. Prazeroso, mas longo. Não existem coisas mais saborosas do que os prazeres longos!

"- Correios!". Aquele grito que chegou baixinho ao primeiro andar me fez descer correndo as escadas, quase até tropeçando. Isso porque eu já tinha olhado pela janela e visto um pacote amarelo nas mãos do entregador. Era ele! Sou nostálgico, seja isso uma virtude ou um defeito, gosto demais das coisas antigas. Sei lá, vivo sempre quase tudo de novo, e de novo.

Como tinha sido o mesmo carteiro que me trouxe os últimos dois livros na semana passada, agradeci e, ao mesmo tempo, em tom descontraído 'reclamei' por ele não ter me dado tempo de ler aqueles e já estar me trazendo outro. Ele sorriu, eu assinei o recebimento e naquela hora passou um filme na minha frente. Lembro que quando tinha 13 anos tive uma namorada que morava em outra cidade. Éramos crianças e, como não existia esses 'estraga-prazeres' de e-mail, whatsapp e nem celulares, nosso único contato era por cartas. Não me lembro quantas tardes passei a espera de Cícero, o carteiro que me trazia aqueles beijos em forma de papel. Era gostoso, chegava a durar dias, imagina! Esse é o defeito da tecnologia e seu galopante avanço, perde-se o efeito surpresa. Perde-se charme, devaneios, criatividade. Grande parte do que era fruto da imaginação se perde. Antigamente o que se imaginava e nunca chegava a existir chegava a ser maior do que se chegava às mãos. Tanto é assim que nunca havíamos dado sequer um beijo e as sensações eram diversas. Tudo criado pela imaginação. Ah, começamos e acabamos por cartas, sendo inúmeras nos 3 meses que ficamos juntos (separados!).

Abri o pacote cuidadosamente ainda nas escadas. O estado do livro era impecável! Mesmo sendo uma edição de 1984, aquele colecionador tinha muito zelo - o que já havia sido atestado por um amigo nosso em comum que o recomendou. Na contracapa uma assinatura e uma data: "Carlos Antonio - 23/01/87". Aprendi isso com um amigo advogado de Florianópolis. Ele registrava seus livros como registram-se filhos. Com data de nascimento, local e direito a batizado. Acho isso de um charme sem tamanho! Bacana né?! Minha imaginação, que já estava tão distante, foi remetida à 26 anos atrás. Que coisa intrigante, aquele mundo passou tanto tempo esperando que eu o descobrisse, quando o Carlos Antonio já havia pisado aquelas terras há tanto tempo! Por isso que eu acho um misto de arrogância e prepotência dos colonizadores dizerem que descobriram algo. O Brasil, por exemplo, já tinha sido desvirginado pelos índios, antes de ser estuprado por portugueses - que passaram a se intitular maridos por imaginar ter rompido o hímen, que já não era nada inelástico. Mas isso é outro assunto.

A verdade é que penso como o Jojen Reed, que disse certa vez que "um leitor vive mil vidas antes de morrer, enquanto que o homem que nunca lê vive apenas uma". Por vezes me pego sorrindo sozinho quando estou lendo. Me sinto maior, pois quem lê cresce em silêncio. As folhas amareladas e aquele cheiro indescritível são de uma magia que não é desse mundo. Livros não são desse mundo. E ainda levam o leitor pra outro, mas isso dava assunto pra um livro. Melhor, para outro livro.